quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Certificado de capacidade familiar

Tenho uma vida paralela dentro da minha cabeça, é uma espécie de Wonderland...
No meu mundo, as crianças só poderiam nascer após uma certificação de que os pais têm condições de criar o rebento que está por vir.
Não digo condições financeiras, mas sim condições psíquicas.
Não falo em perfeição nem em pais fictícios de obras folhetinescas, digo de pais mesmos.
Os pais deveriam saber conversar, ouvir e falar.
Também seria exigido um pouco de criança naquele adulto, para poder entender que aos olhos de uma criança, o mundo está sendo descoberto – aos nossos olhos, não estaria também?
Adultos capazes de levar àquela criança pela mão, com seus pequeninos olhos fechados, confiando até mesmo o seu respirar. Que saibam impor na hora certa e o mais importante, saibam errar.
Pais que dêem aos seus filhos a chance de lhes ensinar... Uma nova cor de aquarela, um corte de cabelo em uma boneca...
É de extrema importância que esses pais desejem o que está por vir: o primeiro dente, os choros na noite, o dormir fora, o primeiro amor, as brigas, o tentar fugir de casa, a rebeldia... Tudo vem junto, por mais amor que tenha sido dado. Há aprendizado no entender.
Que as crianças não sejam causas de frustrações, o motivo de infelicidade, de destruição de sonhos. Que não tenham de escutar que por eles perdeu-se a viagem, a casa, o sorriso, a beleza.
Entendo que eu mesma não estaria aqui, se esse meu mundo existisse. Entendo também que, caso eu viesse a existir – descuido – eu não deixaria herdeiros. Reprovaria no teste de condições psíquicas.
Mas o mundo tai, qualquer pessoa tem filhos, inclusive meus pais; e os psicólogos, psiquiatras e analistas também estão por aí, aumentando relativamente seus bolsos e seus cadernos de anotações com lembranças de infância.
... no meu mundo, o trabalho deles diminuiria.
No final todo mundo sobrevive: os pais sem condições, conformados com a longa vida que já tiveram e inflexíveis quanto às mudanças que a vida pode dar, e seus filhos, tentando buscar seu próprio lugar no mundo, limpando machucados... Aprendendo a ouvir desde cedo que a vida é assim mesmo...